domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Falta da Falta


Os que me ensinam têm de me aprender

Quando falta energia na casa, todos vão para a varanda - longe da modernidade eletrônica que suga as baterias Zeitgeist do ser - observar o que estava escondido por trás de tanta tecnologia, ter aquela conversa que não se tinha há tempos com seus amores.
Não sei se é uma coisa endêmica dessa casa ou se todo mundo possui esse vestido que os cabe nesses momentos ímpares.
Se noite - Ah! - o rastro de prata que a lua deixa no mar lançava-os ainda mais compassíveis. E à luz de suas vulnerabilidades falam sobre a vida; o muito que ela dá, o muito que ela tira.
O pai relembra sua juventude onde o seu hobby predileto era no verão sentar em um banco de uma praça e admirar as senhoritas com seus vestidos floridos, compondo canções em nome das mesmas com o seu bom violão que hoje é só composto de muita poeira no canto do seu quarto. Declarações poéticas tais que por tabela ajudaram o jovem pai a conquistar a mãe num desses seus brios de romantismo.
A mãe reforça alguns de seus conceitos; que sob esse mesmo céu somos apenas um; que as catástrofes naturais todas são a própria natureza citando o divino para justificar seus atos; que nós humanos sentimos tanta culpa de sermos o que somos que prevemos um fim do mundo a cada passo; que temos almas de deuses em nossos corpos mortais e vai ver que a arrogância vem daí. "Pedimos a mão segurando-as pelo pulso". A hermenêutica da mãe sempre foi extraordinária, no entanto, ela só estava naquele momento com ciúmes das antigas composições do pai.
A pequena filha descobriu que goiaba em inglês é guava. Fato mais que suficiente para arrancar elogios de todos e um sorriso de seu rosto.
O filho reflete sobre amores tropegos e insolúveis: viu as marcas dos pés dela na parede próxima à cama. Disse que a função do conceito sobre ela é ditatorial, oprime qualquer outra. Falou também que o barulho que o assoalho da casa fazia quando a mesma andava por alí era distinto. "Ela deveria ter vindo com o aviso: Perigo, inflamável" - ressaltou o jovem. A mãe, sobre isso, disse da abstinência não ser química e sim anímica. E o pai qualquer coisa sobre escrever uma canção.
E a fleumática avó, que até então nada havia dito, tácita em sua resiliência, se apronta como quem proferirá algo solene - quiçá podemos imaginar um piano clássico ao fundo como trilha sonora. Todas as atenções voltadas para a velha senhora que já viu tanto de tudo. Ela olha para todos e, ao assentir com a cabeça, diz: "A luz voltou a essa casa!"
De fato a energia retorna e a gargalhada é uníssona.
Então, assim de ironia ausente - talvez amaldiçoada pela radiação do microondas - regressam todos aos seus afazeres dantes do blackout.


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