quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ser-tão de você



Um dia desses, dentro de um transporte público, um metrô para ser mais exato, um senhor sentado a minha frente, vira-se para mim e diz: - Preguiça de escovar os dentes quando se está com sono, prestes a dormir.
Achei aquilo fora de contexto, pensei ter perdido algo, então, me prontifiquei a lançar a velha expressão de indagação: - Hã?
Logo ele veio, animado por eu ter dado atenção ao que queria dizer: - Preguiça de escovar os dentes quando se está com sono, prestes a dormir. Todo mundo tem isso, não é?

Eu:
- É, tem sim! (Concordei, assentindo com a cabeça.)
 
O velho:
- Poxa, mas nenhuma preguiça era igual a da minha amada!
- Eu dizia para ela: Vai dormir e se esquecer de escovar os dentes, hein?!
- E ela sempre me respondia: Deixa isso pra lá, depois eu vou, me abrace agora.
- E esse abraço era o melhor do dia inteiro. Parecia me proteger de tudo, sabe?
- Ah, como amei aquela mulher!

Eu:
- O que aconteceu com ela? (Perguntei, já totalmente imerso no mundo daquele macróbio.)

O velho:
- Ela foi embora!
- Me deu meia dúzia de palavras de satisfação e partiu. Disse que eu não entenderia!
- Como eu não entenderia?
- Amei esta mulher e continuo amando-a!
- Como não entenderia?

Eu:
- De repente ela se percebeu não te amar e resolveu terminar tudo antes que as coisas ficassem piores para os dois! (Eu sou uma péssima pessoa para se desabafar, mas o grisalho indivíduo pareceu não se importar com isso.)

O velho:
- É, talvez!
- Mas será que ela não me amou, nem um pouco?

Eu:
- Quem ama, ama. Não existem proporções!
- É uma coisa só!
- Ou ama-se ou não!

O velho:
- Mas aquele abraço me dizia tanto!

Eu:
- Dizia o que você queria ouvir ou o que realmente significava?

O velho:
- Não sei!
- Acho que o que eu queria ouvir!
- É estranho eu encontrar respostas, aqui, em um jovem que eu não conheça!
- Isso só mostra o quanto sabemos da vida: Nada!
- Eu poderia jurar que viveria eternamente com aquela mulher!
- Hoje eu a vi, do outro lado da rua. Vi com olhos de ira, dor, alegria... um compilado de todas as emoções, sabe?
- Ela me viu, se aproximou, nada dizendo, me abraçou aquele abraço, o da preguiça de escovar os dentes, e me disse: Um dia você vai entender!
- Eu sou senil, estou próximo do fim e ainda não entendi!

Eu:
- Você deve estar revivendo tudo agora, não é? (Ávido eu, a tentar saber o que se passava na cabeça daquele velho.)

O velho:
- Sim. Parece que eu estou num deserto, numa aridez terrível, onde a todo tempo as miragens dos oásis me vêm embair e minha sede só me arranca a lucidez!
- Todas estas miragens possuem o mesmo nome. A salvação inalcançável. Todas elas se chamam... Opa, é aqui que eu fico!
- Está é minha parada!
- Adeus meu jovem e obrigado pela conversa, por ter me ouvido. Obrigado mesmo!

Eu:
- Ok, mas e o nome da mulher de sua vida? (A curiosidade gritou por mim naquele momento. Ele não poderia ir embora sem me dizer o nome da figura tão emblemática. Precisava de um título para a imagem que construía em minha mente.)

O velho:

- Ah sim! O nome dela é...

Ele disse, nome e sobrenome. Aquilo me foi um golpe sem medida, me atordoou e me prontou estático, afogado em perplexidade.
Sem reação, vi a porta se fechar atrás daquele idoso ser que acabara de me jogar uma bomba no colo, não sei se de propósito ou se por acaso.
E o metrô seguiu o seu percurso, como o sangue latejante em minhas artérias estupefatas.
A imagem é edificada em minha cabeça. Mais patente, impossível.
O nome que ele revelara era o de minha mãe.

3 comentários:

Victor Coelho disse...

Estruturei assim para não ficar tão confuso!

Anne disse...

Victiiinhhoooo, foda toda vida!!! ;)

Seu Arruda disse...

água cinzenta no deserto pode parecer miragem ou melhor, mais mandioca.