domingo, 10 de novembro de 2013

A Morte de Votric Sunen - Capítulo 1

Falling by Nick Cave & Warren Ellis on Grooveshark

Votric Sunen sempre odiara esta época do ano. A cidade toda se aprontava mais uma vez para o evento mais hipócrita e consumista por ele já presenciado. Todos adornando seus egos com guirlandas e pisca-piscas. Fazendo das noites um clarão eterno, queimando retinas e apavorando os insones como Votric.

Numa rara ocasião de necessidade fisiológica - problema que vem anexo a idade - ele percebe o relógio de pulso que tanto procurava esquecido no chão do banheiro entre as roupas sujas. Uma metáfora epítome digna de sua existência: Por mais que tentasse esconder entre as grossas camadas de ilusão, aqui representadas por trapos, pele morta, ácaros e manchas de sudorese, os ponteiros empurram inexoravelmente o tempo sem sequer saber se é hora. Estava velho; macróbio de uma era em que ser idoso nem ao menos significa sabedoria.

E em meio a uma ducha, sem a qual jamais conseguiria sair daquele quarto de banho - cagar e tomar banho é um TOC insuperável e até lhe dava um certo orgulho - o telefone toca; e como que premonitoriamente sua espinha se gela com a percussão estridente do aparelho. Era o seu antigo chefe chamando-o para um último trabalho, que ele já recusou de prontidão. Votric Sunen foi um agente de investigação, aposentado por invalidez. Mas aquele não era um trabalho qualquer, sublinhava seu ex-chefe, era sim uma ligação do subversivo Nolen Danrami que anunciava que se seu velho rival não aparecesse até a hora marcada em tal local, explodiria bombas postas em lugares públicos matando milhões de pessoas. E que assim o velho investigador escolhesse como seria o seu presente de natal. O superintendente ao telefone disse a Votric ter investigado e não encontrado bomba alguma, mas não se podia levar como blefe o que Danrami dizia.

Danrami era um bon vivant, mais jovem que Sunen, fazia da vida um capricho e abalroava quem quer que estivesse em seu caminho. Porém encontrou tanto de si em Votric que acabou fazendo do astuto agente um espelho e decidiu passar o resto de sua vida tentando provar a Sunen que o homem é mero animal brincando de humanidade. Experiência maior disso foi o sequestro da esposa de Votric, Kasmen Lasvi, e consequentemente sua impetuosa morte: Ela foi mantida durante meses em cativeiro, até que um dia Danrami prendeu maços e maços de dinheiro no corpo de Lasvi nua com bombas acionáveis ao mais simples toque nas notas e a pôs no centro de uma praça em um bairro paupérrimo da cidade com uma placa pregada em seu peito com o seguinte escrito: Se tocar neste dinheiro, ela morre, reles animal! O resultado final disso foi um bairro inteiro em chamas.

Aquele telefonema inquietou Votric Sunen ainda mais que a água que entrou em seu ouvido no banho e não conseguiu tirar. Aceitou ir de encontro ao seu nêmesis, é claro. A vingança é o júbilo do sem propósito. Encontraria enfim o maior de seus carrascos, alguém que não deveria ser chamado de humano.
O endereço já estava num papel em seu bolso. Sua vida se tornou um clichê policial e ele se incomodava com isso. Mas aquela água no ouvido!

No caminho ao rendezvous percebeu que não era mais o mesmo intrépido e incansável investigador de antes, a velhice havia atacado até a sua memória, pois não lembrava onde era exatamente o endereço escrito no papel - tendo em vista que em seus áureos tempos não precisaria nem anotar -  que ele já usou pra tentar secar a cavidade auricular obstruída. Resolveu perguntar do local a um jovem transeunte onde a estampa de sua camisa dizia: "Feliz Na... Ops... Capital!". O rapaz fingiu não ter ouvidos e continuou seu rumo. Votric pensou naquele instante que a frialdade das pessoas já é tanta que as camisas deveriam ter estampas somente nas costas.

Depois de muitas voltas, enfim, ele chega ao local do encontro. Mas antes do toque na campainha, a preparação psicológica. Ele se vê arredio durante um tempo. E quando levou a cabeça até a mão, na altura do ombro, na tentativa de dar pancadas para tentar se livrar daquele incômodo entupimento, ouviu um zunido como se algo passasse ao seu lado muito rápido. Ele reconhecia aquele som como ninguém. E ao perceber a sua frente um orifício antes ausente naquela porta, concluiu: "Foi um tiro! E acertaria em minha cabeça se não fosse esta maldita água em meu ouvido."

(Continua...)

Capítulo 2? Aqui

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