- Jura que já houve quem experimentasse tudo isso e ainda
assim abrisse mão? Digo, se hoje estás aqui é porque alguém desistiu... ou você
se cansou... afinal... – é quando batem a porta para interromper o idílio que é
o infinito preguiçoso de uma tarde quente de segunda.
Era o vizinho, como sempre, incomodado. Curioso. Pouca
coisas há capaz de incomodar um ser
humano que um seu semelhante em estado de graça. Poucas coisas evocam mais a
desgraça, é dizer. Um carro do ano. Uma mulata passista em mão alheia ou um
gemido alto o bastante para furar a
privacidade das paredes cotidianas.
Ele, o vizinho, senhor honesto e trabalhador. Por vezes
recebeu troco errado e com ele ficou. Quem pode culpa – ló? O homem que tem por
predicados ser tão homem quanto todos os demais, nem mais nem menos nobre.
Aquele que não fede e não cheira, não fuma nem nada. Senhor das virtudes
normais do Mundo normal da natureza humana. Classe: Medíocre. Aura: Mediana.
Ficaram os dois em silêncio e recolhidos sob os lençóis úmidos de seu paraíso
particular. Assim mesmo, como em um romance barato de banca entre jovens
adultos que ainda não puderam romper a casca do adolescer. Tudo silêncio e pieguice, não fosse o arfar pesado das suas respirações
ansiosas. O vizinho batendo, batendo e bufando, até cansar. Não dava trégua em
suas reclamações pequenas e egoístas. “O barulho vai muito alto, vizinho!” se
recebiam amigos para uma conversa simples. “Preciso dormir, ora essa!” se havia
música para animar o encontro. ”Vocês fumam demais! Que cheiros são esses?” e por aí em diante, ou seja, não
se pode mais jantar. Não se pode ter amigos, ser feliz é
crime agora?
Foi embora e não ouviu o riso abafado entre brincadeiras e
travesseiros. Amor assim, de cama, mesa e banho. Ah! E álcool, claro. Que
ninguém é de ferro. E somos tão jovens...
A noite chega apontando planetas e estrelas ou o que mais
que brilhe na seda escura do céu. Estão
cansados de nada, felizes por tudo e convictos: Ele é só dele. Ela não é de
ninguém.
- Pede você, você sabe que eu não gosto de falar ao telefone.
- Pede o de sempre.
- Vem logo pra cá. Eu bem poderia te usar agora. Sabe, desde
que eu me apaixonei por...
- Cala essa boca, cara. Sente meu amor?
- Que sorte a minha te conhecer! Meu bebê!
Mais voltas, corcoveios. Cavalo e entidade, peão e rainha.
Buddys. Um dia, porém, os enjoos. O suor incomoda, a emoção que acabou, o “liga
você, olha a frescura”. Por fim as retas
paralelas, os “olhos nos olhos” e o “passar bem”. O anacrônico sentimento da traição que não houve.
Se encontrarão ainda nas noites, nos bares. Dois estranhos caminhando na turma de rostos conhecidos. Nada houve, parece. Não foi nada, já passou. Ah! Essa juventude transviada! Os encontros furtivos e os amantes passageiros. E no fim, como diz o outro: “Um enfarto. Ou pior, o psiquiatra”
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