A campanhia tocou.
Como nunca recebeu visitas, nesses dias, a essas horas, achou estranho. O porteiro não avisou quem seria, logo, imaginou quem fosse.
Abriu a porta:
- Oi!
- Oi!
- Como você está?
- Nada bem e você?
- Eu estou bem!
- Como assim você está bem?!
- Estou bem. Ora, não fora isso que perguntara?
- Mas, eu não estou bem, por sua causa!
- Isso quer dizer que eu precise estar mal também?
- Ao menos, depois de tudo que me fizeste!
- O que eu te fizera?
- O quê? É sério que me perguntas isso?
- Sim, pergunto, por quê?
- Tu acabaste com a minha vida, fizeste dela um solilóquio perene, nivelou minhas preferências por cima e agora ninguém mais me apetece. Não te sentes nem um pouco mal por isso?
- Porque deveria me sentir? Souberas o tempo todo como eu era, mesmo assim quis tentar. Fora bom durante algum tempo, mas cansei.
- Cansaste por que, se te dei de tudo? Amor, atenção, carinho, doses medidas de desprezo, sexo, um homeopático ciúme e tudo mais?
- Mas quem disse que fora assim que eu sempre quisera?
- Então quer dizer que dependeu de mim, a longevidade do que vivemos? Onde eu errei?
- Não souberas aproveitar a ocasião, estivera ciente desde o início até onde isso iria, deixara bem claro. - Se preocuparas demais com o futuro e esqueceras do presente. Agora tudo isso é passado!
- O que vieste fazer aqui, então?
- Vim saber se estás bem!
- Já viste que não estou, não é? Por que não parte agora, não só daqui, mas em mil pedaços e suma nos quatro ventos?!
- Mas, vou deixar um pedaço, eu sei; e você o manterá, eterno, alimento.
- Só para completar o que eu dissera: você acha que fizeras o que deverias para manter-me contigo?
- A sua atenção fora silêncio. Não houvera diálogo, uma troca de sabores, não houvera completude um no outro. Não encontrara, em você, o que me transformaria, no melhor que eu poderia ser, como dizia Quintana. Não tivera isso, e sim, coisas superficiais que desembocaram num querer ralo, longe da profundeza do que aguardo.
- E o sexo fora bom, admito, mas o seu oral nunca fora lá essas coisas e eu odiava quando chupavas as minhas orelhas.
- Tu, realmente, vais, daí, dessa sua beleza imponente como uma pintura renascentista, me jogar tudo isso na cara?
- Foi tu que perguntaras. Só vim ver como estás. Porque te gosto. És muito importante para a minha vida!
- Se sou, não deverias me fazer sofrer tanto!
- Mas o que te farias não sofrer?
- Voltar pra mim!
- Mas se eu voltar, sofrerás ainda mais!
- Não me importo!
- Mas eu sim!
- Por que veio, afinal?
- Quis te ver, saber se estás bem!
- Adeus, então!
- Adeus?
- Adeus!
Observou da janela, ir embora, tudo aquilo que intitulava ser primazia. Mas fechou os olhos, por descontentamento, e não viu que, lá embaixo, olha-se para trás, para o seu apartamento.
Ele não viu que aquele olhar sublevava tudo o que ela havia dito. Não viu e deixou passar que naqueles olhos estavam o medo e a expectativa.
Mal sabiam o destino que os aguardava caso se entreolhassem. Eu sabia. Eu sei, pois, fui eu quem os inventou. Sei quem sofreu por não ver a amargura esperada. Quem sofreu por saber que logo esqueceria.
Sou o deus deste meu pequeno mundo de duas pessoas e em minha onipotência escolho o fim. Eu escolho quem é pilatos, quem é cristo. Este é o meu universo.
Então, foi-se embora, embora quisesse ficar.
Doravante, a partir da alvorada, isto aqui será o meu shabbat.
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4 comentários:
Nenhum animal foi ferido durante essas gravações, foi, Coelho?
Genial.
bruscamente ferido...
Indubitavelmente, com toda a humildade do mundo, sem perdas e sem ganhos.
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